terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Análise | Impetigore - Herança Maldita (2019)

Impetigore - pôster


O que há de mais cativante em uma considerável parcela do terror asiático são os desdobramentos executados pela narrativa por meio de três frentes muito marcantes: a maldição sobrenatural; a investigação dos porquês da existência dessa maldição; a revelação do drama seguida da resolução do problema. Nota-se que, à luz desse molde, que segue mais ou menos essa sequência que evidenciamos há pouco, o horror é o que choca inicialmente, mas conforme a investigação revela as origens sinistras que assolam algo ou alguém, quem passa a chocar mais é o drama.

Observamos essa estruturação ser conferida, mesmo que com algumas pequenas variações, em alguns dos maiores exemplares do horror asiático dos últimos tempos, como, por exemplo, n’O Chamado (1998), de Hideo Nakata, o qual é iniciado com uma atmosfera macabra, misteriosa e apreensiva, mas que aos poucos concede lugar a um drama profundo e comovente que dialoga, primeiramente, com o horror e que depois se instala de vez no interior da película japonesa. Algo de semelhante sucede com o tailandês Espíritos (2004), dirigido por Banjong Pisanthanakun, quando os desdobramentos tenebrosos são aos poucos colocados em interação com um drama doloroso.

Já no indonésio Impetigore (2019), dirigido por Joko Anwar, há uma pegada semelhante à desses dois filmes, pois acompanhamos, na história, o deslocamento de uma jovem mulher, do centro urbano para a isolada aldeia da sua família, depois de ela ser quase assassinada por um indivíduo misterioso, que expõe na sua fala, no momento em que a ataca com um facão, alguma coisa relacionada a uma antiga questão familiar mal resolvida. Maya (Tara Basro), desde que é atacada, sente-se bastante ameaçada, até mesmo durante a sua saída de ônibus, meio pelo qual se desloca até a aldeia, seja quando pensa estar sendo encarada por um sujeito sentado na parte da frente do automóvel, seja quando um senhor, um professor universitário, decifra um escrito (em javanês antigo) sinistro e enigmático que estava estranhamente situado dentro da perna da protagonista. 

Maya, quando chega ao vilarejo da sua família, logo se instala no extenso casarão dos seus familiares, e ela passa a tentar a entender, primeiramente, o comportamento daquelas pessoas locais, que enterram, dia a dia, uma criança, algo no mínimo bastante estranho. Se esse tipo de ação já soa demasiadamente macabro, os lugares visitados pela jovem mulher, ao lado da sua engraçada amiga, Dini (Marissa Anita), reforçariam essa tendência. Para começar, a casa abandonada onde as duas se acomodam possui os mesmos aspectos daquelas residências mal-assombradas das narrativas de medo mais clássicas: espaço escuro; cômodos velhos e desgastados; barulhos estranhos. É nesse ambiente, aliás, que o sentimento de medo ganha os seus principais impulsos tenebrosos no interior da narrativa, sobretudo na primeira metade, ainda que esta não apele, por meio de jumpscares, por exemplo, a fim de provocar os efeitos de pavor.

Impetigore - Herança Maldita
Não há tantas cenas de susto repentinas envolvendo fantasmas, ainda que um sinal de alerta esteja sempre presente. A partir de qualquer ruído, a partir de qualquer movimentação esquisita, seja na casa abandonada, seja num cemitério visitado por Maya e por Dini, seja nas ruas desertas da própria aldeia, sentimos a atmosfera apreensiva, liderada, principalmente, pelo sentimento de insegurança instalado desde o prólogo. A soma dessa insegurança com os espaços intimidadores, povoados em muitos casos pelo sobrenatural, é o que causa os maiores efeitos de medo, ainda mais relevantes quando entendemos, diante de uma exposição da narrativa, que os moradores daquela comunidade sacrificam todas as crianças recém-nascidas por elas nascerem bizarramente sem pele devido à maldição existente naquela região. 

Enquanto Maya investiga a situação familiar e ao mesmo tempo compreende que pode ser interessante adquirir a documentação daquela residência grande e abandonada, que era dos seus pais, os moradores da região degolam a divertidíssima Dini (e o choque se torna ainda maior justamente por causa do seu senso de humor) depois desta fingir, para os moradores do vilarejo, ser a sua amiga, tudo isso com o objetivo de pegar exatamente a documentação daquele casarão. Dini é capturada, e isso soa um alívio para a comunidade, que, ao pensar ter finalmente capturado a mulher amaldiçoada, pode passar a ter os seus filhos com tranquilidade.

Ocorre que, depois disso, uma criança nasce sem a pele, e quando aquela aldeia descobre que a menina-alvo na verdade não foi morta, uma perseguição mais intensa e mais feroz passa a acontecer contra a protagonista, que é ajudada, por sorte, por uma moradora local que não acredita que matar Maya acabaria com a maldição. Nesses momentos, localizados mais nos instantes finais da narrativa, uma série de mergulhos no passado, no ápice daquele percurso investigativo, revela as questões mal resolvidas e dramas dos mais fortes, envolvendo traição, drama e magia.

Maya - Impetigore
Uma das versões, contada pela mulher, revela aquilo que foi contado à comunidade, e a outra, a versão legítima e mais longa, que é contada pelos pobres espíritos de três crianças que entram em contato com Maya, apresenta cenas antigas de embrulhar o estômago, os porquês de a protagonista ser enxergada como amaldiçoada e a maneira (clichê!) como a personagem principal pode solucionar aquele caos. A partir dessas revelações, quando a protagonista se expõe de vez ao perigo, um banho de sangue é cristalizado, com direito a dois suicídios (por degolação) e a outras mortes mais ou menos violentas que pintam de vermelho os quadros finais dessa película. 

O longa-metragem dirigido por Joko Anwar, como vimos ao longo deste breve texto, se vincula ao horror (perseguição, sobrenatural) desde o seu começo, para logo em seguida expor uma investigação realizada pela personagem principal, responsável por, no final das contas, revelar dramas impactantes. Com isso, então, entendemos que a trajetória narrativa de Impetigore segue com determinada semelhança aquele molde comumente abrigado pelos filmes de terror asiáticos, principalmente aqueles das últimas décadas, como comentamos. Mais do que somente seguir uma fórmula, contudo, a fita de Anwar consegue produzir interessantes efeitos de medo e entra decerto para a lista dos bons filmes de terror da atualidade.

Referências:

Espíritos - a morte está ao seu lado. Dir. Banjong Pisanthanakun. Tailândia: GMM Pictures Co. et al., 2004.

Impetigore - herança maldita. Dir. Joko Anwar. Indonésia: Base Entertainment et al., 2019.

O chamado. Dir. Hideo Nakata. Japão: Basara Pictures et al., 1998.

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