quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Especial | 40 anos de Assassinatos na Fraternidade Secreta (1982)

The House on Sorority Row

São quarenta anos desde o lançamento de Assassinatos na Fraternidade Secreta (1982), dirigido por Mark Rosman, slasher que foi violentamente esquecido ao longo das décadas, mas que acertou em cheio o coração de alguns e que, por isso, guarda até hoje certo grau de saudosismo por parte de um público selecionado. Através de uma breve pesquisa notamos um certo reconhecimento carregado pela película, sobretudo no passado: teve um orçamento, na época, de 425 mil dólares e uma receita de quase onze milhões de dólares; em 2009, ganhou um remake intitulado Pacto Secreto (2009), dirigido por Stewart Hendler. Mesmo assim, o longa-metragem de Rosman parece ter sido varrido com o tempo, é um trabalho pouco encontrado em listas mais específicas sobre filmes de suspense/terror ou até mesmo sobre slashers. A fita, contudo, tem o seu valor.
Uma das leituras mais interessantes de Assassinatos na Fraternidade Secreta está atrelada ao fato de a sua composição contrastar o tempo inteiro o tom mais brando com uma tonalidade mais sinistra. Logo na abertura, por exemplo, um prólogo (em preto e branco) evidencia um experimento realizado por um médico ao tentar salvar o bebê de uma mulher em trabalho de parto. Na ocasião, não conhecemos aqueles personagens e já somos inseridos em um contexto delicado. Observamos, além disso, a música apreensiva, os gritos angustiantes da mulher e o cenário noturno, três artifícios que, somados, cristalizam as trevas no interior da narrativa. Depois do prólogo, entretanto, uma atmosfera de animação dominaria a fita, quando meninas de uma fraternidade, prestes a se formarem na graduação, demonstram uma enorme empolgação. O narrador, inclusive, aciona uma montagem veloz, cheia de cortes e de planos-detalhe, para ressaltar os preparativos da festa. 

Os comentários anteriores evidenciam um contraste inicial no interior da narrativa, mas, depois de ser concretizado um desentendimento entre a dona da casa onde moram as concluintes, a senhora Slater (Lois Kelso Hunt), e as próprias estudantes, outro contraste pode ser enxergado, já que uma pegadinha que as meninas executam contra a velha senhora acaba em morte, com um tiro acidental, que acerta a mulher. Nesse caso, a brincadeira, que deveria ser divertida, ao menos para as garotas, é contrastada com os rumos que ela toma, simplesmente trágicos. Não bastasse isso, as ações bastante cruéis das jovens alimentam ainda mais aquela atmosfera de horror, posto que, na sequência, esconderiam cruelmente o corpo daquela moça no fundo de uma piscina suja e esverdeada; em uma altura mais avançada da obra, elas jogariam o corpo da moça, para escondê-lo melhor, em uma lixeira

Assassinatos na Fraternidade Secreta
Ao longo da projeção, percebemos outro contraste, desta vez evidenciado pela montagem paralela: enquanto acontece a tão esperada festa de formatura, cheia de animação, com direito a banda e tudo, algumas mortes vão acontecendo, sendo quase todas elas relacionadas às meninas que planejaram a pegadinha contra a senhora Slater. Ao longo do desenvolvimento, justamente o grande pedaço do filme que capta essa oposição da festa com os crimes, observamos outra oposição muito interessante ser realizada pela narrativa, desta vez ligada ao jogo de enquadramentos. Ao passo que a festa lotada de jovens pessoas é quase sempre captada por um plano-conjunto, havendo, portanto, uma constatação de muitas pessoas na imagem e consequentemente uma ideia de bastante energia no local, nas cenas de crime as personagens são geralmente isoladas, elas são perseguidas ou surpreendidas solitariamente pelo assassino misterioso, responsável por matar as suas vítimas com a bengala que era utilizada frequentemente pela velha senhora. Nota-se, ainda, no plano sonoro, o contraste na construção dessas duas cenas: o barulho nas festas, o silêncio na perseguição do assassino. 

Falando nos crimes, eles não são tão violentos em termos gráficos, são mais sugeridos do que propriamente explicitados, mas eles não deixam de chamar a atenção, visto que derramam sangue, numa espécie de vingança contra aquelas jovens mulheres, e são construídos com base naquele instigante tom mais silencioso da perseguição contra a vítima, solitária, como apontamos, nesse tipo de cena. Destaquemos, para além do que já comentamos, o modo como o narrador em diversas ocasiões enquadra em plano-detalhe, isto é, coloca no primeiro plano, em destaque, a bengala da senhora Slater, o que cria não apenas uma grande interrogação no espectador, que jurava que a moça havia morrido, como também parece referenciar alguns dos grandes gialli italianos, a exemplo daqueles de Sergio Martino, que sempre colocavam o objeto do crime (facas, tesouras) em plano-detalhe nos instantes dos assassinatos. Se pensarmos, ainda, no uso do “detalhe” como recurso para captar os preparativos da festa lá no começo da obra, esse mesmo enquadramento entra em conflito com aquilo que passa a evidenciar no desenvolvimento: a ferramenta dos assassínios. 

Assassinatos na Fraternidade Secreta, obviamente, se concentra demais no seu final, como todo whodunit, como os gialli em geral, mas o filme em questão não depende só desse bloco para cativar o espectador, como fizerem e fazem muitas narrativas desse gênero. Independente de qualquer coisa, a aposta no seu final é tão nítida que, quando finalmente chegamos a ele, há uma reviravolta simplesmente impressionante. A audiência mais atenta notará, claro, que o indivíduo responsável pelos crimes não é a velha senhora, possivelmente ressurgida da morte, caso contrário seria muito previsível.

The House on Sorority Row - Clown
O criminoso, na verdade, se liga àquele prólogo do longa-metragem, o que configura, portanto, uma fita cíclica, que se não ressuscita a dona da casa onde as meninas moram, ressuscita o seu filho, aparentemente morto lá na primeira cena, quando a velha senhora entrava em trabalho de parto e servia de cobaia para um experimento. Na altura do clímax, a perseguição é intensificada, liderada pelo crescido rapaz, momento em que Morgan (Jodi Draigie), uma das meninas, a final girl, entra em um combate intenso contra aquele sujeito, renascido das trevas. Vemos, na ocasião, a sua máscara bizarra, parecidíssima com aquela de Michael Myers, de Halloween (1978), o que eleva os graus de medo nos seus entornos, e o mesmo indivíduo, em um determinado pedaço desse longo clímax, simplesmente surge vestido como um palhaço assustador, pronto para atacar, sorrateiramente, a menina que sobrou.

Diante do que analisamos neste breve texto, notamos que há alguns pontos bem interessantes de Assassinatos na Fraternidade Secreta. Ainda que o longa-metragem de Mark Rosman analisado aqui não seja nenhuma obra-prima, pois passa muito longe disso, há ao menos um bom nível de qualidade, maior do que muitos slashers consagrados, tornando-se, portanto, inexplicáveis, também contraditórios, os porquês de esse filme ter simplesmente desaparecido ao longo desses quarenta anos.

Referências:

Assassinatos na Fraternidade Secreta. Dir. Mark Rosman. Estados Unidos: VAE Productions, 1983.

Halloween. Dir. John Carpenter. Estados Unidos: Falcon International Pictures et al., 1978.

Pacto Secreto. Dir. Stewart Hendler. Estados Unidos: Summit Entertainment, 2009.


Nenhum comentário:

Postar um comentário